quarta-feira, 11 de agosto de 2010

RESERVA RAPOSA DO SOL & TAMBORES SOLITÁRIOS

Nossa primeira visão do nativo americano saiu do algures e se materializou no meio da rua deserta - então rua Rubião Júnior, em Piraju (SP), no fim de uma tarde fria quando eu voltava do grupo escolar. O susto foi inevitável. Ao virar a esquina da rua 13 de maio com a quadra onde residíamos na casa de meu avô, nos deparamos com um homenzarrão de pele escura pintada, trajando amplo ponche colorido, de longos cabelos negros presos com um misto de cocar-gorro-chapéu, calçando botas de pele... Descia a rua em nossa direção e caminhava de costas enquanto tocava pausadamente um tambor enfeitado.
Parei assustada. Eu estava sobre a ponte do ribeirão Canadá, sem uma porta amiga para entrar. A rua ficara deserta diante daquela visita inesperada.
Seu olhar penetrante também se surpreendeu com nossa figura estática, ao fazer uma evolução em círculos, sempre andando para trás.
Ouvi uma voz amiga me chamando. Era meu avô que vinha ao meu encontro, rua abaixo, apoiado em seu inseparável cajado-bengala que ele chamava de "porrete". Logo atrás apareceu o meu pai. Animada, corri rua acima passando pelo estranho que continuou impassível tocando o tambor solitário.
Soube mais tarde que se tratava de um nativo da região andina rumo ao litoral onde pretendia visitar parentes. Seguia o velho caminho dos índios...

Sem fronteiras, sem território escriturado, sem limites, os nativos nômades caminhavam... simplesmente caminhavam... E nessa caminhada encontraram a civilização que chegara lá do outro lado do grande mar.
O homem migra. Sempre migrou. Todos buscam algo em sua caminhada. Cada um com sua linguagem e anseios.
O tempo passou. Muitas leis tem sido feitas para proteger os povos e as culturas diferentes do novo mundo.
Hoje no Brasil 12,5% do território nacional já é por lei reserva indígena. Segundo a FUNAI, 512 mil pessoas vivem aldeadas, sendo que na Amazônia legal estão 98,6% das terras indígenas. No geral são 225 etnias que falam 180 idiomas diferentes. Os 1.069.424,34 km² de terras a eles reservados estão divididas em 503 áreas. Só o Piauí e o Rio Grande do Norte não tem nenhuma área. Em Roraima, por ex., na Reserva Raposa do Sol vivem 32 nações indígenas ocupando 46% do Estado. Vão e vem pelas fronteiras dos outros países latinos; não precisam de passaporte... E pleiteiam a independência do território. Os brancos, como todos sabem, foram expulsos de lá após a criação da reserva.
É da ABIN o alerta ao GSI que governos estrangeiros e ONGS tem interesse e dão apoio ao Conselho Indígena de RR para transformar a reserva no primeiro território autônomo indígena. Se o Congresso Nacional ratificar a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas assinado na ONU (2007) pelo governo brasileiro, estará aberto um precedente de consequências imprevisíveis. Um Estado autônomo pressupõe: - divisão territorial (o que é inconstitucional); - e a inevitável presença de grupos oportunistas com interesses nas riquezas naturais dessa e de outras regiões.
Os confrontos serão inevitáveis.
Sobreviverão à nova forma de ocupação esses grupos resgatados de seu passado?
Ou, ouviremos tambores solitários tocando por ruas poeirentas num futuro não muito distante?
Quem viver verá!